12 de mar. de 2010

Public Image Limited P.I.L

A origem da expressão "álbum musical" está nas velhas coleções de discos 78 RPM, que vinham reunidos em uma capa única, como um álbum fotográfico. Foi na virada para a década de 70 que um outro tipo de disco associou-se ao termo: o álbum conceitual, tara dos progressivos, com suas suítes, capas duplas ilustradas, encartes e outros bichos em torno de um mesmo tema (para distrair o ouvinte da banalidade do som, segundo um crítico).
Pois a capa deste "Metal Box" recupera, maldosa e paradoxalmente, as duas noções: o conceito é o desconcerto, um disco triplo (45 RPM) sem roteiro fixo de audição, saudavelmente desordenado como seu próprio som. E ainda por cima metido num container de segurança (idéia também sugerida no lúgubre e contemporâneo "Fear of Music", dos Talking Heads) - para proteger-nos da música corrosiva ou para protegê-la do ouvinte? Tanto o invólucro encanta que a Second Edition do disco, em LP duplo com capa convencional (incluindo letras), parece perder um nadinha de seu charme bizarro.
O território em que o PiL se aventura no segundo disco é o tangenciado no primeiro, em que faixas urgentes como "Public Image" e "Low Life" soavam como herdeiras diretas do punk (apesar da guitarra personal de Keith Levene), chocando-se esquizofrenicamente com o improviso e a estranheza funk'n'dub das faixas mais longas. O som mais orgânico de Metal Box comprovou: John Lydon já não era o Johnny Rotten dos Sex Pistols; afinal, o rock'n'roll já havia sido destruído. Mas também não estava querendo parir sua versão da "Metal Music Machine", o clássico da inaudibilidade, provocação neurotrofastência (alô A.G.C.D.!) de Lou Reed. Aliás, o fascinante caráter sônico do PiL dependia menos de Lydon do que de Levene ou do baixista Jah Wobble, irrequietos manipuladores low tech dos recursos de estúdio.
A referência mais imediata (e assumida) foram os alemães do Can (lata, em inglês...), ativos desde o fim da década de 60 e também enfocados nesta seção. Wobble, ao abandonar o grupo logo em seguida ao disco, tornou-se parceiro eventual de Holger Czukay, um destes alquimistas germânicos. Wobble também não resistiu a roubar algumas das bases gravadas para seu primeiro LP solo, produzido quase ao mesmo tempo - um confuso período de oito meses em que o PiL freqüentou vários estúdios e foi freqüentado por vários bateristas (há quatro deles no Box, não creditados, inclusive o próprio Levene).
"Metal Box" radiografa a banda em seu momento mágico: antes que as contradições da atitude livre e idealista versus as injunções do star system (mais a personalidade impossível de Lydon) a destroçasse artisticamente. Continuou o apego aos "conceitos" - Lydon viria a chamar um álbum de álbum, pilhando o grupo americano Flipper -, mas a potência, o mistério, a beleza perversa de certas faixas - como a longuíssima "Albatross", as porradas de "Memories" e "No Birds", a releitura de "Swan Lake" de Tchaikovski (letra inspirada na morte da mãe de Lydon), a obsessiva "Chant", os magníficos instrumentais de "Graveyard", "Socialist" e "Radio 4" - estavam fadados a só se repetir eventualmente. Como em "Commercial Zone", o disco não-oficial (raro) que Levene distribuiu em 84, ao ser expulso da banda (nada mau, para quem já havia sido expulso do Clash, em 76). Ficam os climas dos baixões pantanosos e os synths esparsos, recortados por aquela guitarra ácida e pela voz atônita de Lydon - uma hora de pura ousadia escondida ali, na lata...

Publicado na extinta revista Bizz,edição 68 março de 1991,por Alex Antunes
Ps:Se o post-rock e tem um pai é esse disco John Lydon fazendo historia pela segunda vez...



Metal Box